The MSF surgery team in Bangassou is operating a patient who suffers from inguino-scrotal hernia, on January 29, 2021

Em 2021, a República Centro-Africana (RCA) foi devastada pela violência contínua, forçando centenas de milhares de pessoas a fugir de suas casas, o que afetou gravemente a oferta de ajuda humanitária.

Cerca de 1,5 milhão de centro-africanos foram deslocados internamente ou se refugiaram em países vizinhos após a retomada das hostilidades no país. O número é o maior registrado desde o auge do conflito, que se deu entre 2013 e 2014. A violência generalizada aumentou a pressão sobre o frágil sistema de saúde, tornando o acesso a tratamento ainda mais difícil para as pessoas com doenças crônicas ou que necessitam de cuidados especializados.

O ano começou com confrontos entre as forças do governo e uma coalizão de grupos armados de oposição formada em dezembro de 2020, antes das eleições que ratificaram Faustin-Archange Touadéra como presidente. Rapidamente, a violência varreu o país, o que continuou acontecendo ao longo do ano. Os civis se viram frequentemente pegos no meio do confronto; feridos, forçados a deixar suas casas e privados de cuidados de saúde. Em um contexto de estado de emergência que já afetava a oferta de cuidados, o alto nível de insegurança e a presença crescente de grupos armados estrangeiros tornaram extremamente difícil para Médicos Sem Fronteiras (MSF) e outras organizações humanitárias prestar assistência onde fosse necessário, particularmente em áreas rurais remotas, onde a situação permaneceu volátil.

Embora essa situação tenha afetado nossa capacidade de oferecer cuidados, continuamos administrando 13 projetos de saúde básica e especializada, com enfoque na saúde materno-infantil, cirurgia, violência sexual, tratamento para HIV e tuberculose (TB), e respondemos a surtos de doenças. Também implementamos várias respostas de emergência e atendemos pessoas afetadas por conflitos, tratando um total de 390 pacientes feridos de guerra entre meados de dezembro de 2020 e meados de março de 2021.

Mais de 1 mil pessoas chegaram a Bangassou, onde apoiamos o Hospital Universitário Regional, em busca de abrigo após ataques de grupos armados em janeiro. Outras 10 mil fugiram através do Rio Mbomou para Ndu, na República Democrática do Congo, onde incrementamos nosso apoio ao centro de saúde local e instalamos sistemas de purificação de água.

No mesmo mês, 8 mil pessoas foram desalojadas quando a cidade de Bouar, densamente povoada, tornou-se palco de intensos combates. MSF prestou cuidados básicos de saúde, assim como serviços de água e saneamento, às pessoas que se refugiaram em uma catedral e em cinco acampamentos improvisados para pessoas deslocadas.

As partes em conflito não pouparam pessoal médico ou humanitário. Nossas equipes testemunharam dezenas de instalações de saúde sendo saqueadas, depredadas e ocupadas e pacientes sendo submetidos à violência, abuso físico, interrogatórios e prisão durante incursões armadas em hospitais. Agentes de saúde comunitária voluntários em áreas rurais também foram ameaçados e agredidos.

No início de junho, um acampamento que abrigava cerca de 8.500 pessoas deslocadas internamente nos arredores de Bambari foi totalmente incendiado, e um ponto de tratamento de malária de MSF foi destruído. Dias depois, o cuidador de um paciente foi morto e três outras pessoas ficaram feridas quando uma motocicleta de referência de MSF foi atacada a caminho de Batangafo.

Em áreas como Bocaranga, a crescente presença de minas terrestres e artefatos explosivos improvisados dificultou ainda mais o acesso a instalações de saúde, tanto para o pessoal de saúde quanto para os pacientes. No último trimestre de 2021, nossa equipe de emergência interviu no local, atendendo a vítimas de violência sexual, administrando vacinas contra sarampo, difteria, tétano, pólio, febre amarela e hepatite B, para responder à baixa cobertura vacinal na região, e melhorando o fornecimento de água e serviços de saneamento.

O SICA, hospital de cirurgia de trauma de MSF na capital, Bangui, recebeu com frequência pacientes encaminhados de outras províncias precisando de cuidados cirúrgicos de emergência e de longo prazo, incluindo fisioterapia e apoio à saúde mental.

Cuidados baseados na própria comunidade

Embora a maioria das atividades de MSF na RCA continuem sendo oferecidas em hospitais, nos últimos anos, ampliamos nossos projetos baseados nas próprias comunidades. Em 2021, demos continuidade ao treinamento de agentes de saúde comunitária voluntários para diagnosticar e tratar pessoas em suas próprias comunidades para algumas das doenças mais prevalentes, como a malária e a diarreia. Esses trabalhadores recebem medicamentos, além de apoio financeiro e técnico de MSF. Em Kabo e Batangafo, nossas equipes apoiaram essa rede na realização da detecção precoce e tratamento da malária em postos de tratamento.

Também implementamos um modelo de atendimento comunitário aos pacientes que necessitavam de tratamento de longo prazo, como a medicação antirretroviral (ARV) para HIV. Em lugares como Carnot, Bossangoa, Boguila, Bambari e Zémio, membros de grupos de pacientes da comunidade se revezam para buscar os medicamentos uns dos outros, apoiando, assim, os colegas e se ajudando mutuamente na adesão ao tratamento. Como a RCA tem o maior índice de HIV da África Ocidental e Central, e acesso extremamente limitado ao tratamento ARV, esta iniciativa representa uma alternativa vital para muitas pessoas.

Reduzindo as mortes maternas e tratando vítimas de violência sexual

Planejamento familiar e cuidados obstétricos são também prioridades de MSF na RCA. O país tem uma das maiores taxas de mortalidade materna do mundo, e, fora das instalações apoiadas por MSF, poucas mulheres têm acesso a cuidados de saúde gratuitos e de qualidade durante a gravidez e o parto. Na medida em que mantivemos a oferta de nossos serviços de cuidados maternos em Bangui, trabalhamos durante todo o ano na reabilitação das unidades de urgência obstétrica e neonatal de uma das principais instalações de saúde pública da capital.

A violência sexual é um dos principais problemas de saúde na RCA. Embora um número considerável de agressões sexuais esteja ligado aos conflitos armados, muitas são perpetradas dentro da comunidade. Quase todos os projetos de MSF no país, incluindo os de Bambari, Batangafo, Bangassou, Bossangoa, Bria, Carnot e Kabo, incorporaram o tratamento e o apoio em saúde mental para sobreviventes de violência sexual em seus serviços médicos. Por meio do nosso projeto de Tongolo, em Bangui, oferecemos um programa holístico de cuidados médicos e psicológicos para violência sexual que é acessível e inclusivo, com adaptações específicas para homens, crianças e adolescentes.

 

Dados referentes a 2021

490.800

Casos de malária tratados

8.400

Intervenções cirúrgicas

6.500

Atendimentos a sobreviventes de violência sexual

890.100

Consultas ambulatoriais

17.300

Partos assistidos

69.800

Pacientes internados

6.110

Pessoas em tratamento ARV de primeira linha sob cuidados diretos de MSF

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